segunda-feira, 10 de maio de 2010

Bioética, Biotecnologia e Biodireito

Por: Saul Quadros Filho
Advogado e Presidente da OAB-BA


É indiscutível, nos dias atuais, que a humanidade está assistindo a uma verdadeira “revolução” provocada pela biotecnologia e pela biomedicina, trazendo uma série de questionamentos jamais pensados por qualquer ramo do conhecimento. Questões como aborto, eutanásia, ortotanásia, transplante de células tronco, a problemática do pré-embrião, do embrião, da anacefalia, da clonagem, da manipulação do genoma humano são assuntos que envolvem vida e morte de seres humanos.

O termo “bioética”, apesar de desconhecido por muitos, não é uma novidade, pois vem sendo utilizado desde o início dos anos 70 para designar o ramo da ética aplicada que discute os avanços da biomedicina e da biotecnologia, o impacto destas sobre o homem, caracterizando-se como “um conjunto de pesquisas e práticas, via de regra pluridisciplinares”, e fixando regras para possibilitar o melhor uso dessas novas tecnologias através de conselhos morais, sem poder de coerção.

Já o Direito, como ciência, através de um conjunto de normas impostas coercitivamente pelo Estado, busca normatizar e regular as condutas dos indivíduos na sociedade. Todavia, muitas vezes demora a se adaptar aos novos fatos, disso resultando que relações sociais relevantes permaneçam sem normatização na esfera jurídica.

Os caminhos da Ciência Biológica e do Direito, entrecruzados tantas vezes, coincidem agora e se encontram no desenvolvimento da engenharia genética e nos avanços da biomedicina, da biotecnologia e no impacto destas sob o homem. Como resolver uma questão judicial, no campo da bioética, ainda não suficientemente esclarecido e regulado juridicamente, se o Juiz, que representa o próprio Estado, não pode deixar de decidir a questão que lhe é posta para julgamento?

O Direito pode e deve se valer dos princípios norteadores da Bioética como forma de operacionalizar e melhor responder às questões que tanto causam perplexidades à nossa sociedade. Tem-se positivado que as maiores influências da Bioética no Direito encontram-se em ramos jurídicos específicos: no Direito Constitucional, no Direito Civil e no Direito Penal.

O Direito Constitucional relaciona-se com a Bioética quando, ao se deparar com as novas indagações surgidas em decorrência das novas tecnologias, deve sempre basear-se nos princípios da dignidade da pessoa humana, inviolabilidade do corpo humano e no direito absoluto à vida.

A relação do Direito Civil com a Bioética é muito grande, especialmente na área do Direito de Família. Por exemplo: no campo das novas técnicas de reprodução artificial, se o espermatozóide for do marido, mas o óvulo não for de sua esposa, teríamos um filho sendo apenas de metade do casal?

Com o Direito Penal a relação é íntima. E, para ficarmos no exemplo acima, quando da utilização da técnica de fertilização “in vitro”, sempre sobram óvulos fecundados que não são aproveitados. O que se deve fazer com eles? Jogados fora, haveria crime? Estaríamos diante do tipo penal do aborto ou estaríamos diante da hipótese da legalização indireta do crime de aborto, ou estaríamos diante de uma situação absolutamente normal?

O Direito deve, portanto, o mais rápido possível, apresentar respostas satisfatórias a essas novas situações fáticas, normatizando os efeitos da revolução biotecnológica sobre a sociedade. Não foi por isso, senão, que surgiu um novo ramo na Ciência Jurídica: o Biodireito, uma espécie de micro sistema jurídico que vai trabalhar com os avanços da biomedicina e biotecnologia, com enfoques inovadores, “tendo por fontes imediatas a bioética e a biogenética”, e a vida POR OBJETO PRINCIPAL.

Ética e Direito, Bioética e Biodireito devem estar agindo em conjunto para assegurar bens maiores a serem tutelados não só pelo Estado, mas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos e da Bioética: a dignidade, a vida, a essência da pessoa humana. Atenta e preocupada com o futuro, a OAB-BA criou a Comissão Especial para tratar dos assuntos relacionados com a bióetica, cumprindo, assim, a sua função de defender os interesses da sociedade.

Garantido direito de Testemunha de Jeová a não receber transfusão de sangue

A 12ª Câmara Cível do TJRS reconheceu o direito de mulher Testemunha de Jeová deixar de receber transfusão de sangue. A medida seria necessária, segundo critérios médicos, para salvar sua vida. A paciente desde o primeiro momento afirmou que “a transfusão de sangue é procedimento incompatível com suas convicções religiosas”. A decisão, por maioria de votos, é da última quinta-feira, 6/5.

A paciente do Hospital Geral de Caxias do Sul é portadora de Síndrome Nefrótica e foi transferida inicialmente do Hospital de Farroupilha. O hospital procurou a Justiça para que fosse autorizada a realização da transfusão contra a vontade da paciente. A Justiça de Caxias do Sul autorizou a medida e a própria paciente recorreu da decisão ao Tribunal.

Para o Desembargador Cláudio Baldino Maciel, relator da matéria, não pode o Estado autorizar determinada e específica intervenção médica em uma paciente que expressamente não aceite, por motivo de fé religiosa, o sangue transfundido.

Considerou o magistrado que não se trata de uma criança, incapaz de expressar vontade própria com um nível de consciência juridicamente aceitável, ou se, por outro qualquer motivo, estivesse a pessoa desprovida de capacidade de discernir e de decidir lucidamente a respeito do seu destino. Ao contrário, ressaltou, trata-se de pessoa maior de idade, lúcida e consciente, cuja vontade manifesta e indiscutível não se apresenta sob qualquer aspecto viciada.

Vida sem sentido

Afirmou ainda que não vejo como possa ser submetida a tratamento médico com o qual não concorda e que para ser procedido necessita do uso de força policial; tratamento este que não obstante possa preservar-lhe a vida, retira dela toda a dignidade proveniente da crença religiosa, podendo tornar a existência restante sem sentido, desnecessária, vazia.

Totalitarismo

Ressaltou também o Desembargador Cláudio que as piores experiências totalitárias foram justificadas por 'valores' de Estado que arrombaram a tranca das liberdades de consciência, de crença, de pensamento, de escolha do cidadão a respeito do seu próprio destino, da eleição do significado de sua vida, sempre sob alguma justificativa para ´salvá-los de si mesmos´, ante um valor maior que os seus.

Caso os valores ou a crença exteriorizada por alguém sejam nocivos a terceiros ou ao corpo social, não haveria maior dificuldade na solução do problema, ponderou o magistrado – mas quando a crença de alguém não coloca sob risco direitos de terceiros, a questão é saber-se se, também nesse caso, o Estado pode intervir na órbita individual para ‘salvar a pessoa dela própria’.

Não pode o Estado, concluiu o magistrado, intervir nessa relação íntima da pessoa consigo mesma, nas suas opções filosóficas, especialmente na crença religiosa, constitucionalmente protegida como direito fundamental do cidadão, mesmo que importe risco para a própria pessoa que a professa (e para ninguém mais), sob pena de apresentar, o Estado, sua face totalitária ao ingressar cogentemente no âmbito da essência da individualidade do ser humano, onde não deve estar.

O Desembargador Orlando Heeman Júnior, Presidente do colegiado, acompanhou as conclusões do relator.

Voto minoritário

Para o Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, o médico e a instituição hospitalar têm o dever de manejar todas as variáveis técnicas ao seu alcance, capazes de atuarem de forma decisiva no progresso do estado clínico do enfermo, o que inclui, no caso concreto, a transfusão de sangue.

Ética Médica

Destacou o magistrado que o Código de Ética Médica determina que, em caso de iminente perigo de vida, o profissional efetuará qualquer procedimento médico sem o prévio consentimento tácito ou explícito do paciente. O mesmo código define a medicina, narra o Desembargador Sudbrack, como profissão que tem por fim cuidar da saúde do homem, sem preocupações de ordem religiosa, tendo o médico o dever de agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

E continuou o Desembargador: Não há necessidade nem utilidade da intervenção jurisdicional, no caso concreto, pois o médico é obrigado a empreender todos os meios disponíveis para salvar a vida dos pacientes. Ao profissional da medicina subjaz a obrigação de cunho moral, legal e ético, atuável no empenho de esforços necessários para a manutenção da vida do paciente, em caso de risco, cenário reproduzido nos autos em exame.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

FGV: brasileiros duvidam da honestidade do Judiciário

SÃO PAULO - Cerca de 70% da população brasileira duvida da honestidade e imparcialidade do Poder Judiciário, de acordo com pesquisa realizada pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que mede o Índice de Confiança na Justiça (ICJBrasil).

Os nordestinos lideram o ranking da desconfiança. Respectivamente, em Salvador e em Recife, 79,2% e 78,7% dos entrevistados disseram duvidar da honestidade e imparcialidade do Judiciário. Em seguida vieram Rio de Janeiro (71,7%) e São Paulo (71,4%). Completam a lista Belo Horizonte (68,5%), Brasília (67,4%) e Porto Alegre (59,5%).

Outro ponto mal avaliado pela população foi a capacidade de solução de conflitos. Na média nacional, 60,6% dos que responderam à pesquisa afirmaram que o Judiciário não é competente ou tem pouca competência para solucionar conflitos. Mais uma vez, Recife puxa essa média e destoa das outras capitais: 74,2% dos recifenses não acreditam que o Judiciário seja competente para solucionar conflitos. Na outra ponta da tabela, vem Porto Alegre, com 51,2% das respostas. No segundo lugar, com 62,4% do total está Brasília seguido pelo Rio de Janeiro (61,5%), São Paulo (60,7%), Belo Horizonte (58,9%) e Salvador (56,8%).

O ICJBrasil procurou avaliar o grau de satisfação em relação ao Judiciário. Dentre uma amostra de 1.588 pessoas, 25,9% participaram de algum processo judicial nos últimos 5 anos. Desta amostra, 30,2% afirmou que ficou muito insatisfeito com a atuação do Judiciário, 38,8% ficou pouco satisfeito, 29,6% ficou satisfeito e apenas 1,5% ficou muito satisfeito.

Morosidade

A lentidão também foi apurada pelo índice. São Paulo continua ostentando o posto de cidade que acredita que o Judiciário resolve os conflitos de forma muito lenta, com 94,6% das respostas, acima da média nacional (93,4%). Já Recife está no outro oposto da escala, com 90,9%. Outras respostas foram Brasília (94,3%), Porto Alegre (91,4%), Rio de Janeiro (92,9%), Salvador (93,8%) e Belo Horizonte (93%).

"Mesmo com os esforços do Conselho Nacional de Justiça em reduzir o volume de processos sem julgamento nos tribunais, dando maior agilidade aos casos, continua preocupante a constatação de que, em todas as capitais, permanece a sensação de que a Justiça é muito lenta para a esmagadora maioria da população", analisa Luciana Gross Cunha, professora da Escola de Direito da FGV e coordenadora do ICJBrasil.

Quando demandada a responder sobre os custos de acesso ao Judiciário, é nítida a discrepância entre as capitais. Recife é a cidade com maior índice de pessoas que acredita que o custo de acesso ao Judiciário é elevado, 85,4%, enquanto em Brasília, 71,1% disseram que este custo é alto. Em segundo lugar, vem São Paulo, com 80,2% de respostas, seguido por Belo Horizonte (78,5%), Porto Alegre (75,8%), Rio de Janeiro (75,2%), Salvador (74,1%). A média nacional ficou em 78%.

O quesito de acesso ao Judiciário é um dos mais críticos do subíndice de comportamento. A média nacional de respostas que afirmam que o acesso ao Judiciário é inexiste ou difícil chega a 59% do total. Das capitais, Recife é a, de longe, a que mais reclama da inacessibilidade do Judiciário: 73%, seguido por Belo Horizonte (67,4%), Salvador (64,3%), São Paulo (60,5%), Brasília (56,2%), Rio de Janeiro (50,6%) e Porto Alegre (50,6%).

AE - Agencia Estado

Segue uma reflexão sobre o STJ. Este texto foi elaborado pelo Dr. Gerivaldo Alves Neiva, Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité-Bahia. Sendo que foi extraído do seu blog: http://gerivaldoneiva.blogspot.com

STJ transforma Juizados em Ctrl+c e Ctrl+v



Por Gerivaldo Alves Neiva*



Ano passado o STJ editou a Resolução nº 12, de 14 de dezembro de 2009, que “dispõe sobre o processamento, no Superior Tribunal de Justiça, das reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência desta Corte.”



Pois bem, segundo o disposto no artigo 2º, I, da citada Resolução, admitida a Reclamação, o Relator “poderá, de ofício ou a requerimento da parte, presentes a plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de dano de difícil reparação, deferir medida liminar para suspender a tramitação dos processos nos quais tenha sido estabelecida a mesma controvérsia, oficiando aos presidentes dos tribunais de justiça e aos corregedores-gerais de justiça de cada estado membro e do Distrito Federal e Territórios, a fim de que comuniquem às turmas recursais a suspensão.” (Leia mais...)



Em outras palavras, havendo divergência entre as decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis de determinado Estado e do STJ, ao acolher a Reclamação para dirimir divergência entre acórdão da Turma e jurisprudência do STJ, o Relator poderá determinar a suspensão da tramitação de TODAS as ações, do Brasil inteiro, que tratem da mesma matéria.



Estava enganado quem pensou que tal medida demoraria a acontecer.



Ainda no final do ano passado, a Ministra Nancy Andrighi, apreciando a Reclamação 3752/GO, em decisão monocrática, determinou a “suspensão de todos os processos em trâmite nos Juizados Especiais Cíveis nos quais tenha sido estabelecida controvérsia semelhante à dos presentes autos, consistente na discussão acerca do prazo para devolução das parcelas pagas ao consorciado que se retira antecipadamente do grupo, até o julgamento final desta reclamação.”



Em outras palavras, determinou a eminente Ministra a suspensão de TODAS as ações, em TODO O BRASIL, que tenham como objeto a devolução das parcelas pagas pelo consorciado que se retira do grupo antes da liquidação. É isso mesmo!



Como todos sabem, os Juizados Especiais Cíveis tem adotado decisões coerentes com a principiologia do Código Civil de 2002 com relação à eticidade, socialidade e operabilidade do Código, conforme defendido por Miguel Reale. Além disso, estão bem antenados com a efetividade dos princípios da “função social dos contratos”, da “probidade” e da “boa-fé”. (artigos 421 e 422, CC). Sem esquecer, evidentemente, do disposto no artigo 2.035, parágrafo único, do Código Civil: “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar os preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.”



A seguir a linha de jurisprudência do STJ, no entanto, não vai demorar muito e todas as ações revisionais de contratos bancários e de cartão de crédito, que visam a redução das taxas de juros e exclusão de encargos não previstos em lei, também terão o mesmo fim das ações visando a restituição dos valores pagos por consorciado que desiste do grupo antes da liquidação, ou seja, estarão todas suspensas! De nada valerão, portanto, os argumentos da “onerosidade excessiva” (art. 478, CC), da “prestação desproporcional” (art. 6º, V, CDC) ou a “vulnerabilidade do consumidor” (art. 4º, I, CDC).



Em outras palavras, com base na Resolução 12/09-STJ, as decisões dos Juizados e de suas Turmas Recursais devem obedecer (?) ao entendimento do STJ, sob pena de serem objeto de Reclamação e terem as ações suspensas, em simples decisão monocrática, por um ministro do STJ.



Sendo assim, o STJ não estaria reservando aos Juízes dos Juizados o papel de mero repetidor de sua própria jurisprudência? Ora, se é assim, um Juizado Especial Cível não precisa mais de um Juiz de Direito, mas apenas de Internet e de um Computador! Para o STJ, portanto, a Justiça dos Juizados agora se faz pressionando as teclas ctrl+c e ctrl+v, ou seja, copiar e colar.



Por último, a pergunta que se faz é a seguinte: a quem interessa este tipo de Juizado?