segunda-feira, 10 de maio de 2010

Bioética, Biotecnologia e Biodireito

Por: Saul Quadros Filho
Advogado e Presidente da OAB-BA


É indiscutível, nos dias atuais, que a humanidade está assistindo a uma verdadeira “revolução” provocada pela biotecnologia e pela biomedicina, trazendo uma série de questionamentos jamais pensados por qualquer ramo do conhecimento. Questões como aborto, eutanásia, ortotanásia, transplante de células tronco, a problemática do pré-embrião, do embrião, da anacefalia, da clonagem, da manipulação do genoma humano são assuntos que envolvem vida e morte de seres humanos.

O termo “bioética”, apesar de desconhecido por muitos, não é uma novidade, pois vem sendo utilizado desde o início dos anos 70 para designar o ramo da ética aplicada que discute os avanços da biomedicina e da biotecnologia, o impacto destas sobre o homem, caracterizando-se como “um conjunto de pesquisas e práticas, via de regra pluridisciplinares”, e fixando regras para possibilitar o melhor uso dessas novas tecnologias através de conselhos morais, sem poder de coerção.

Já o Direito, como ciência, através de um conjunto de normas impostas coercitivamente pelo Estado, busca normatizar e regular as condutas dos indivíduos na sociedade. Todavia, muitas vezes demora a se adaptar aos novos fatos, disso resultando que relações sociais relevantes permaneçam sem normatização na esfera jurídica.

Os caminhos da Ciência Biológica e do Direito, entrecruzados tantas vezes, coincidem agora e se encontram no desenvolvimento da engenharia genética e nos avanços da biomedicina, da biotecnologia e no impacto destas sob o homem. Como resolver uma questão judicial, no campo da bioética, ainda não suficientemente esclarecido e regulado juridicamente, se o Juiz, que representa o próprio Estado, não pode deixar de decidir a questão que lhe é posta para julgamento?

O Direito pode e deve se valer dos princípios norteadores da Bioética como forma de operacionalizar e melhor responder às questões que tanto causam perplexidades à nossa sociedade. Tem-se positivado que as maiores influências da Bioética no Direito encontram-se em ramos jurídicos específicos: no Direito Constitucional, no Direito Civil e no Direito Penal.

O Direito Constitucional relaciona-se com a Bioética quando, ao se deparar com as novas indagações surgidas em decorrência das novas tecnologias, deve sempre basear-se nos princípios da dignidade da pessoa humana, inviolabilidade do corpo humano e no direito absoluto à vida.

A relação do Direito Civil com a Bioética é muito grande, especialmente na área do Direito de Família. Por exemplo: no campo das novas técnicas de reprodução artificial, se o espermatozóide for do marido, mas o óvulo não for de sua esposa, teríamos um filho sendo apenas de metade do casal?

Com o Direito Penal a relação é íntima. E, para ficarmos no exemplo acima, quando da utilização da técnica de fertilização “in vitro”, sempre sobram óvulos fecundados que não são aproveitados. O que se deve fazer com eles? Jogados fora, haveria crime? Estaríamos diante do tipo penal do aborto ou estaríamos diante da hipótese da legalização indireta do crime de aborto, ou estaríamos diante de uma situação absolutamente normal?

O Direito deve, portanto, o mais rápido possível, apresentar respostas satisfatórias a essas novas situações fáticas, normatizando os efeitos da revolução biotecnológica sobre a sociedade. Não foi por isso, senão, que surgiu um novo ramo na Ciência Jurídica: o Biodireito, uma espécie de micro sistema jurídico que vai trabalhar com os avanços da biomedicina e biotecnologia, com enfoques inovadores, “tendo por fontes imediatas a bioética e a biogenética”, e a vida POR OBJETO PRINCIPAL.

Ética e Direito, Bioética e Biodireito devem estar agindo em conjunto para assegurar bens maiores a serem tutelados não só pelo Estado, mas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos e da Bioética: a dignidade, a vida, a essência da pessoa humana. Atenta e preocupada com o futuro, a OAB-BA criou a Comissão Especial para tratar dos assuntos relacionados com a bióetica, cumprindo, assim, a sua função de defender os interesses da sociedade.

Garantido direito de Testemunha de Jeová a não receber transfusão de sangue

A 12ª Câmara Cível do TJRS reconheceu o direito de mulher Testemunha de Jeová deixar de receber transfusão de sangue. A medida seria necessária, segundo critérios médicos, para salvar sua vida. A paciente desde o primeiro momento afirmou que “a transfusão de sangue é procedimento incompatível com suas convicções religiosas”. A decisão, por maioria de votos, é da última quinta-feira, 6/5.

A paciente do Hospital Geral de Caxias do Sul é portadora de Síndrome Nefrótica e foi transferida inicialmente do Hospital de Farroupilha. O hospital procurou a Justiça para que fosse autorizada a realização da transfusão contra a vontade da paciente. A Justiça de Caxias do Sul autorizou a medida e a própria paciente recorreu da decisão ao Tribunal.

Para o Desembargador Cláudio Baldino Maciel, relator da matéria, não pode o Estado autorizar determinada e específica intervenção médica em uma paciente que expressamente não aceite, por motivo de fé religiosa, o sangue transfundido.

Considerou o magistrado que não se trata de uma criança, incapaz de expressar vontade própria com um nível de consciência juridicamente aceitável, ou se, por outro qualquer motivo, estivesse a pessoa desprovida de capacidade de discernir e de decidir lucidamente a respeito do seu destino. Ao contrário, ressaltou, trata-se de pessoa maior de idade, lúcida e consciente, cuja vontade manifesta e indiscutível não se apresenta sob qualquer aspecto viciada.

Vida sem sentido

Afirmou ainda que não vejo como possa ser submetida a tratamento médico com o qual não concorda e que para ser procedido necessita do uso de força policial; tratamento este que não obstante possa preservar-lhe a vida, retira dela toda a dignidade proveniente da crença religiosa, podendo tornar a existência restante sem sentido, desnecessária, vazia.

Totalitarismo

Ressaltou também o Desembargador Cláudio que as piores experiências totalitárias foram justificadas por 'valores' de Estado que arrombaram a tranca das liberdades de consciência, de crença, de pensamento, de escolha do cidadão a respeito do seu próprio destino, da eleição do significado de sua vida, sempre sob alguma justificativa para ´salvá-los de si mesmos´, ante um valor maior que os seus.

Caso os valores ou a crença exteriorizada por alguém sejam nocivos a terceiros ou ao corpo social, não haveria maior dificuldade na solução do problema, ponderou o magistrado – mas quando a crença de alguém não coloca sob risco direitos de terceiros, a questão é saber-se se, também nesse caso, o Estado pode intervir na órbita individual para ‘salvar a pessoa dela própria’.

Não pode o Estado, concluiu o magistrado, intervir nessa relação íntima da pessoa consigo mesma, nas suas opções filosóficas, especialmente na crença religiosa, constitucionalmente protegida como direito fundamental do cidadão, mesmo que importe risco para a própria pessoa que a professa (e para ninguém mais), sob pena de apresentar, o Estado, sua face totalitária ao ingressar cogentemente no âmbito da essência da individualidade do ser humano, onde não deve estar.

O Desembargador Orlando Heeman Júnior, Presidente do colegiado, acompanhou as conclusões do relator.

Voto minoritário

Para o Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, o médico e a instituição hospitalar têm o dever de manejar todas as variáveis técnicas ao seu alcance, capazes de atuarem de forma decisiva no progresso do estado clínico do enfermo, o que inclui, no caso concreto, a transfusão de sangue.

Ética Médica

Destacou o magistrado que o Código de Ética Médica determina que, em caso de iminente perigo de vida, o profissional efetuará qualquer procedimento médico sem o prévio consentimento tácito ou explícito do paciente. O mesmo código define a medicina, narra o Desembargador Sudbrack, como profissão que tem por fim cuidar da saúde do homem, sem preocupações de ordem religiosa, tendo o médico o dever de agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

E continuou o Desembargador: Não há necessidade nem utilidade da intervenção jurisdicional, no caso concreto, pois o médico é obrigado a empreender todos os meios disponíveis para salvar a vida dos pacientes. Ao profissional da medicina subjaz a obrigação de cunho moral, legal e ético, atuável no empenho de esforços necessários para a manutenção da vida do paciente, em caso de risco, cenário reproduzido nos autos em exame.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

FGV: brasileiros duvidam da honestidade do Judiciário

SÃO PAULO - Cerca de 70% da população brasileira duvida da honestidade e imparcialidade do Poder Judiciário, de acordo com pesquisa realizada pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que mede o Índice de Confiança na Justiça (ICJBrasil).

Os nordestinos lideram o ranking da desconfiança. Respectivamente, em Salvador e em Recife, 79,2% e 78,7% dos entrevistados disseram duvidar da honestidade e imparcialidade do Judiciário. Em seguida vieram Rio de Janeiro (71,7%) e São Paulo (71,4%). Completam a lista Belo Horizonte (68,5%), Brasília (67,4%) e Porto Alegre (59,5%).

Outro ponto mal avaliado pela população foi a capacidade de solução de conflitos. Na média nacional, 60,6% dos que responderam à pesquisa afirmaram que o Judiciário não é competente ou tem pouca competência para solucionar conflitos. Mais uma vez, Recife puxa essa média e destoa das outras capitais: 74,2% dos recifenses não acreditam que o Judiciário seja competente para solucionar conflitos. Na outra ponta da tabela, vem Porto Alegre, com 51,2% das respostas. No segundo lugar, com 62,4% do total está Brasília seguido pelo Rio de Janeiro (61,5%), São Paulo (60,7%), Belo Horizonte (58,9%) e Salvador (56,8%).

O ICJBrasil procurou avaliar o grau de satisfação em relação ao Judiciário. Dentre uma amostra de 1.588 pessoas, 25,9% participaram de algum processo judicial nos últimos 5 anos. Desta amostra, 30,2% afirmou que ficou muito insatisfeito com a atuação do Judiciário, 38,8% ficou pouco satisfeito, 29,6% ficou satisfeito e apenas 1,5% ficou muito satisfeito.

Morosidade

A lentidão também foi apurada pelo índice. São Paulo continua ostentando o posto de cidade que acredita que o Judiciário resolve os conflitos de forma muito lenta, com 94,6% das respostas, acima da média nacional (93,4%). Já Recife está no outro oposto da escala, com 90,9%. Outras respostas foram Brasília (94,3%), Porto Alegre (91,4%), Rio de Janeiro (92,9%), Salvador (93,8%) e Belo Horizonte (93%).

"Mesmo com os esforços do Conselho Nacional de Justiça em reduzir o volume de processos sem julgamento nos tribunais, dando maior agilidade aos casos, continua preocupante a constatação de que, em todas as capitais, permanece a sensação de que a Justiça é muito lenta para a esmagadora maioria da população", analisa Luciana Gross Cunha, professora da Escola de Direito da FGV e coordenadora do ICJBrasil.

Quando demandada a responder sobre os custos de acesso ao Judiciário, é nítida a discrepância entre as capitais. Recife é a cidade com maior índice de pessoas que acredita que o custo de acesso ao Judiciário é elevado, 85,4%, enquanto em Brasília, 71,1% disseram que este custo é alto. Em segundo lugar, vem São Paulo, com 80,2% de respostas, seguido por Belo Horizonte (78,5%), Porto Alegre (75,8%), Rio de Janeiro (75,2%), Salvador (74,1%). A média nacional ficou em 78%.

O quesito de acesso ao Judiciário é um dos mais críticos do subíndice de comportamento. A média nacional de respostas que afirmam que o acesso ao Judiciário é inexiste ou difícil chega a 59% do total. Das capitais, Recife é a, de longe, a que mais reclama da inacessibilidade do Judiciário: 73%, seguido por Belo Horizonte (67,4%), Salvador (64,3%), São Paulo (60,5%), Brasília (56,2%), Rio de Janeiro (50,6%) e Porto Alegre (50,6%).

AE - Agencia Estado

Segue uma reflexão sobre o STJ. Este texto foi elaborado pelo Dr. Gerivaldo Alves Neiva, Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité-Bahia. Sendo que foi extraído do seu blog: http://gerivaldoneiva.blogspot.com

STJ transforma Juizados em Ctrl+c e Ctrl+v



Por Gerivaldo Alves Neiva*



Ano passado o STJ editou a Resolução nº 12, de 14 de dezembro de 2009, que “dispõe sobre o processamento, no Superior Tribunal de Justiça, das reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência desta Corte.”



Pois bem, segundo o disposto no artigo 2º, I, da citada Resolução, admitida a Reclamação, o Relator “poderá, de ofício ou a requerimento da parte, presentes a plausibilidade do direito invocado e o fundado receio de dano de difícil reparação, deferir medida liminar para suspender a tramitação dos processos nos quais tenha sido estabelecida a mesma controvérsia, oficiando aos presidentes dos tribunais de justiça e aos corregedores-gerais de justiça de cada estado membro e do Distrito Federal e Territórios, a fim de que comuniquem às turmas recursais a suspensão.” (Leia mais...)



Em outras palavras, havendo divergência entre as decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis de determinado Estado e do STJ, ao acolher a Reclamação para dirimir divergência entre acórdão da Turma e jurisprudência do STJ, o Relator poderá determinar a suspensão da tramitação de TODAS as ações, do Brasil inteiro, que tratem da mesma matéria.



Estava enganado quem pensou que tal medida demoraria a acontecer.



Ainda no final do ano passado, a Ministra Nancy Andrighi, apreciando a Reclamação 3752/GO, em decisão monocrática, determinou a “suspensão de todos os processos em trâmite nos Juizados Especiais Cíveis nos quais tenha sido estabelecida controvérsia semelhante à dos presentes autos, consistente na discussão acerca do prazo para devolução das parcelas pagas ao consorciado que se retira antecipadamente do grupo, até o julgamento final desta reclamação.”



Em outras palavras, determinou a eminente Ministra a suspensão de TODAS as ações, em TODO O BRASIL, que tenham como objeto a devolução das parcelas pagas pelo consorciado que se retira do grupo antes da liquidação. É isso mesmo!



Como todos sabem, os Juizados Especiais Cíveis tem adotado decisões coerentes com a principiologia do Código Civil de 2002 com relação à eticidade, socialidade e operabilidade do Código, conforme defendido por Miguel Reale. Além disso, estão bem antenados com a efetividade dos princípios da “função social dos contratos”, da “probidade” e da “boa-fé”. (artigos 421 e 422, CC). Sem esquecer, evidentemente, do disposto no artigo 2.035, parágrafo único, do Código Civil: “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar os preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.”



A seguir a linha de jurisprudência do STJ, no entanto, não vai demorar muito e todas as ações revisionais de contratos bancários e de cartão de crédito, que visam a redução das taxas de juros e exclusão de encargos não previstos em lei, também terão o mesmo fim das ações visando a restituição dos valores pagos por consorciado que desiste do grupo antes da liquidação, ou seja, estarão todas suspensas! De nada valerão, portanto, os argumentos da “onerosidade excessiva” (art. 478, CC), da “prestação desproporcional” (art. 6º, V, CDC) ou a “vulnerabilidade do consumidor” (art. 4º, I, CDC).



Em outras palavras, com base na Resolução 12/09-STJ, as decisões dos Juizados e de suas Turmas Recursais devem obedecer (?) ao entendimento do STJ, sob pena de serem objeto de Reclamação e terem as ações suspensas, em simples decisão monocrática, por um ministro do STJ.



Sendo assim, o STJ não estaria reservando aos Juízes dos Juizados o papel de mero repetidor de sua própria jurisprudência? Ora, se é assim, um Juizado Especial Cível não precisa mais de um Juiz de Direito, mas apenas de Internet e de um Computador! Para o STJ, portanto, a Justiça dos Juizados agora se faz pressionando as teclas ctrl+c e ctrl+v, ou seja, copiar e colar.



Por último, a pergunta que se faz é a seguinte: a quem interessa este tipo de Juizado?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Autorizada alteração de nome e gênero, sem registro de decisão judicial na certidão

Esta decisão do STJ demonstra um olhar para o futuro, pois a Justiça não pode ficar inerte ante a ineficiência do Congresso Nacional.


Em decisão unânime, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a modificação do pré-nome e da designação de sexo de um transexual de Minas Gerais que realizou cirurgia de mudança de sexo. É a segunda vez que o STJ autoriza esse procedimento. No último mês de outubro, a Terceira Turma do Tribunal também decidiu pela expedição de uma nova certidão civil a um transexual de São Paulo sem que nela constasse anotação sobre a decisão judicial.

No caso, o transexual recorreu de decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que entendeu que “a falta de lei que disponha sobre a pleiteada ficção jurídica à identidade biológica impede ao juiz alterar o estado individual, que é imutável, inalienável e imprescritível”.

O relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, entendeu que deve ser deferida a mudança do sexo e do pré-nome que constam do registro de nascimento, adequando-se documentos e, logo, facilitando a inserção social e profissional. “Ora, não entender juridicamente possível o pedido formulado na exordial [inicial] significa postergar o exercício do direito à identidade pessoal e subtrair ao indivíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova condição física, impedindo, assim, a sua integração na sociedade”, afirmou o relator.

Para tanto, alegou que a ausência de legislação específica que regule as consequências jurídicas advindas de cirurgia efetivada em transexual não justifica a omissão do Poder Judiciário a respeito da possibilidade de alteração de pré-nome e de sexo constantes de registro civil. Sustentou, ainda, que o transexual, em respeito à sua dignidade, à sua autonomia, à sua intimidade e à sua vida privada, deve ter assegurada a sua inserção social de acordo com sua identidade individual, que deve incorporar seu registro civil.

Para o ministro, entretanto, deve ficar averbado, no livro cartorário, que as modificações procedidas decorreram de sentença judicial em ação de retificação de registro civil. “Tal providência decorre da necessidade de salvaguardar os atos jurídicos já praticados, objetiva manter a segurança das relações jurídicas e, por fim, visa solucionar eventuais questões que sobrevierem no âmbito do direito de família (casamento), no direito previdenciário e até mesmo no âmbito esportivo”, assinalou.

Processo: Resp 737993

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Súmula 382 do STJ - Tribunal da Cidadania

O texto abaixo fora publico na Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB nº 6, e é de utoria do Doutor Darci Norte Rebelo [OAB/RS 2.437]. Membro daComissão Nacional de Acesso à ustiça doConselho Federal. Advogado em P.Alegre.

O NÃO-DITO E O ENCOBERTO NA SÚMULA 382 DO STJ

«Súmula 382/STJ - A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si
só, não indica abusividade».

“Tudo que é dito – lê-se em Gadamer - não tem sua verdade simplesmente em si mesmo, mas remete amplamente ao que não é dito” [Verdade e Método, II, p. 181]. Para esclarecer isso, diz ele, distinguem-se duas formas em que o dizer movimenta-se para trás de si mesmo: o que no dizer permanece não dito, tornando-se, porém, presente como nãodito no dizer e, além disso o que no dizer se encobre” [Idem, ibidem, p. 210]. A “reflexão hermenêutica ainda mais profunda – agrega – não se refere apenas ao não-dito, mas ao que o dizer encobre” [idem, ibidem, p, 212]. O nãodito e o encoberto são a chave para abrir as portas do entendimento da Súmula 382 do STJ. O texto utiliza a fórmula de uma inequação, pois a expressão “Juros superiores a 12% ao ano não são necessariamente abusivos” engloba qualquer valor maior que 12% ao ano, ou seja, um número sem limite como uma terra sem horizonte, uma galáxia sem fronteiras. Em matemática chama-se inequação a um número cujo limite é o infinito. Superiores a 12% pode ser qualquer número próximo a 12 como pode ser um número virtual existente além da nossa imaginação. Qualquer número. A Súmula, portanto, nasce com o signo da desproporção e colide, frontalmente, com o princípio do devido processo legal substancial expresso no art. 5º, LIV e no princípio da defesa do consumidor do art. 170, V, ambos da Constituição. Essa forma estranha de criar uma súmula envolve, portanto, um não-dito e encobre sentidos contrários ao ordenamento fundamental. A Súmula 382, na verdade, é uma cilada. Quando ela fala em 12% ao ano, a voz que se ouve tem remansos de inocência, lembrando a linguagem moderada do Código Civil quanto a juros de 1% ao mês ou 12% ao ano. Quando a Súmula utiliza os termos “superiores a 12% ao ano”, ela perde a mansidão e [des]oculta a face assustadora de um olhar sem limites. A leitura do Resp 1.061.530-RS, de 22 de outubro de 2.008, indicado como uma das primeiras fontes recentes da Súmula, levanta o véu das origens da Súmula 382. “As premissas básicas da Súmula foram lançadas no Resp. 407.097-RS”, lê-se no Acórdão do Resp 1.061.530. Quem voltar àquela fatídica tarde 12 de março de 2.003 em que essas “premissas” foram lançadas no Resp. 407.097-RS e em outro, julgado na mesma oportunidade [Resp. n. 420.111-RS], verá que a 2ª. Seção do STJ discutia a abusividade de juros de 10,9% ao mês e ali se decidiu que a abusividade dependia de prova cabal a ser efetuada pela vítima do alegado abuso. Sobre os ombros combalidos do cidadão devedor o Tribunal da Cidadania pôs o pesado fardo desse oneroso encargo de provar que 10,9% ao mês era necessariamente abusivo mesmo numa inflação de 5% ao ano. Nesses Recursos Especiais ns. 407.097/RS e Resp. 420.111-RS, precursores da Súmula 382 - o CDC – Código de Defesa do Consumidor – saiu com o rosto de tal forma desfigurado que mais parecia um projeto transgênico gerador de um CDB ou código de defesa dos bancos. A decisão em que as “premissas” da Súmula 382 começaram a germinar foi adotada, então, por um voto médio. Os vencidos foram Antônio de Pádua Ribeiro e Sálvio de Figueiredo que defenderam o equilíbrio dos contratos bancários pela aplicação da taxa SELIC mais juros de 6%. Os vencedores se dividiram. Quatro ministros, Carlos Alberto Menezes Direito, Ari Pargendler, Nancy Andrighi e Castro Filho votaram no sentido de que 10,9% ao mês não era, em si mesmo, uma taxa abusiva. (naquele momento, a inflação era de 5% ao ano]. Quem viesse a alegar a abusividade tinha de demonstrá-la cabalmente [sic]. Três ministros Barros Monteiro, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Júnior foram mais radicais: defenderam a tese de que "a taxa de juros contratual não pode ser reexaminada em juízo", rendendo-se ao velho culto dos pacta sunt servanda, cujos deuses pareciam soterrados pela função social do contrato. Assim, enquanto os quatro primeiros, Menezes Direito à frente, produtor de um extenso voto importado de outro recurso especial, jogaram pá de cal no princípio da inversão do ônus da prova [CDC, art. 6º, VIII] e desconsideraram a regra da nulidade de prestações desproporcionais ou excessivamente onerosas [CDC, art. 6º, inc. V], os outros três ressuscitavam, em toda sua plenitude, o princípio dos pacta sunt servanda para impedir que a abusividade pudesse sequer ser questionada pelas vítimas do abuso. Durante seis anos essa metástase foi lentamente corroendo o tecido do CDC sem que a comunidade jurídica dos consumidores conseguisse reagir contra a letalidade do mal oculto naquelas “premissas” que acabam de gestar a Súmula 382. Na sessão de julgamento em que esses pressupostos foram assentados, o Ministro Menezes Direito registrou, em seu longo voto, que “a seu pedido” [sic] encomendara trabalho sobre o spread bancário a professores da Fundação Getúlio Vargas com base no qual atingiu as conclusões de que “uma taxa de 10,9 ao mês não se pode presumir abusiva”, mesmo numa inflação de um dígito. Agora, depois da consagração da tese, com a adesão de novos Ministros em decisões recentes, as mãos dos juízes foram algemadas e as chaves jogadas ao fundo do poço como se diria na novela das Oito. Fato nada auspicioso. Essa fórmula da inequação, em cujo étimo se encontra a raiz da palavra igualdade com sinal contrário, revela que atrás da taxa “superior” a 12% ao ano, escondem-se, na verdade, taxas de 12% ao mês ou, capitalizando, 289% ao ano que é um número enquadrável na Súmula que inclui, na sua estante de juros, qualquer número acima de 12% ao ano. Chegou a alvitrar-se, no Resp 1.061.530, qual seria o parâmetro do abuso e começou de desenhar-se uma figura nova: a taxa média do mercado para operações similares. Como o mercado é cartelizado por envolver economia de grandes bancos mas em pequeno número, o consumidor sempre terá dificuldades de provar que a taxa que o escraviza é abusiva... se ela estiver situada na media dos abusos do mercado. O que está por detrás da Súmula, portanto, são números muito distantes dos 12% ao ano. O não-dito no texto da Súmula é que as instituições financeiras não se sujeitam a limitação de juros [sic]. A elas não se aplicam os arts. 591 e 406 do CC. A palavra mês é cuidadosamente encoberta pela inequação “superiores a...”. Por isso se diz que juros superiores a 12% ao ano por si só não indicam abusividade e concede-se que, “em casos excepcionais” [sic], os contratos poderão sofrer revisões se “a abusividade for cabalmente demonstrada” [sic]. “O entendimento hoje vigente nesta 2ª. Seção – diz o Acórdão em comento, indica que a regra para juros remuneratóros é a livre pactuação” [sic] e nisso se revela o que a Súmula encobre. O pano de fundo da Súmula 382, portanto, é um cenário de luto do Código de Defesa do Consumidor com suas regras de inversão do ônus da prova, da nulidade das cláusulas onerosas e abusivas em defesa do cidadão. O curioso é que a Súmula é editada quase ao mesmo tempo em que as autoridades monetárias do COPOM anunciam, uma vitória da política monetária na previsão de juros de 9,25% ao ano. Assim, enquanto se festejam juros de um digito ao ano, a inequação da Súmula consagra juros infinitos ao mês. A Súmula, portanto, é uma cilada, uma armadilha, algemas para o pulso de juízes inconformados, sensíveis aos injustiçados atraídos pelas facilidades dos sonhos de consumo, pessoas desarmadas que, além de não terem segurança na via pública, perdem-na também na via judicial. Aos consumidores podem ser dedicados os versos do pouco lembrado vate fluminense Eduardo Alves da Costa “No caminho com Maiakovski”. “Na primeira noite – diz o poeta - eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.”

domingo, 5 de julho de 2009

Candidato aprovado em concurso público tem direito à nomeação

É (era) costume dos gestores públicos promoverem concursos públicos, e mesmo tendo candidatos aprovados, não os nomeavam, e após a validade do certame, realizava novo concurso público. Recentemente (leia-se a partir de setembro de 2008) o Supremo Tribunal Federal - STF, decidiu que "se o Estado anuncia em edital de concurso público a existência de vagas, ele se obriga ao seu provimento, se houver candidato aprovado". Este entendimento vem tomando corpo, e inclusive o Superior Tribunal de Justiça - STJ, neste mesmo sentido vêm se manifestando, conforme voto do Ministro Arnaldo Esteves Lima, publicado no DJe de 18/05/2009, que transcrevemos na íntegra:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 27.508 - DF (2008/0173663-3)

VOTO
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):

Conforme relatado, o Tribunal de origem denegou a ordem em mandado de segurança impetrado por JOÃO FLÁVIO DE CASTRO MOREIRA, no qual se insurge contra ato que, mesmo tendo ele sido aprovado dentro do número de vagas previsto no edital, teria nomeado candidatos com classificação inferior à sua no concurso público para provimento de cargos de Professor Nível 3 da rede de ensino do Distrito Federal.

Dos autos, verifico que o edital do certame assim determinava (fl. 23 e 32):

3 DAS VAGAS
3.1 As vagas são oferecidas conforme o disposto no Anexo I deste edital.
..........................................................................................
8.6 Os candidatos serão ordenados em três listas, a saber:
a) cargo/componente curricular/região/turno, de acordo com os valores decrescentes das notas finais noconcurso (NFCs);
b) cargo/componente curricular/região, de acordo com os valores decrescentes das notas finais no concurso (NFCs);
c) cargo/componente curricular, de acordo com os valores decrescentes das notas finais no concurso (NFCs).
..........................................................................................
11 DO APROVEITAMENTO
11.1 A convocação para a posse no cargo será efetuada conforme a primeira lista de classificação, de acordo com o disposto na alínea “a” do
subitem 8.6 deste edital.
11.1.1 Em caso de não haver mais candidato classificado para determinado turno e permanecer a necessidade de preenchimento de vaga(s)para o(a) mesmo(a) cargo/componente curricular/região/turno, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal poderá utilizar a segunda lista de classificação, de acordo com o disposto na alínea “b” do subitem 8.6, independentemente da opção de turno do candidato.
11.1.2 Em caso de não haver mais candidato classificado para determinada região e permanecer a necessidade de preenchimento de vaga(s)para o(a) mesmo(a) cargo/componente curricular/região, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal poderá utilizar a terceira lista de classificação, de acordo com o disposto na alínea “c” do subitem 8.6, independentemente da opção de região do candidato.
11.2 Aos candidatos abrangidos pela reserva de vagas, objeto do item 4 deste edital, serão aplicados os mesmos critérios de classificação e de
aproveitamento definidos neste item.
O impetrante concorreu para o cargo de professor de História, região Gama,turno diurno, tendo sido aprovado, respectivamente, na 5ª, 6ª e 46ª colocação conforme critérios previstos no item 8.6, "a", "b" e "c", acima transcrito (fl. 193).

Para a região escolhida pelo impetrante (Gama), foram previstas pelo edital cinco vagas para professor de História no turno diurno (fl. 56).

Assim, tendo em vista que, nos termos do item 11.1 do edital, a nomeação dos candidatos deveria observar, inicialmente, a classificação obtida nos termos do item 8.6, "a", certo que o impetrante foi aprovado dentro do número de vagas previstas para o cargo pleiteado.

Ocorre que é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital possui direito subjetivo à nomeação para o cargo que concorreu. Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO PROVIDO.
1. O princípio da moralidade impõe obediência às regras insculpidas no instrumento convocatório pelo Poder Público, de sorte que a oferta de vagas vincula a Administração pela expectativa surgida entre os candidatos.
2. A partir da veiculação expressa da necessidade de prover determinado número de cargos, através da publicação de edital de concurso, a nomeação e posse de candidato aprovado dentro das vagas ofertadas, transmuda-se de mera expectativa à direito subjetivo.
3. Tem-se por ilegal o ato omissivo da Administração que não assegura a nomeação de candidato aprovado e classificado até o limite de vagas previstas no edital, por se tratar de ato vinculado.
4. Recurso provido para determinar a investidura da recorrente no cargo de Médico Generalista para o qual foi devidamente aprovada. (RMS 26.507/RJ, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Quinta Turma, DJe 10/10/08)

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO. NOMEAÇÃO. NÚMERO CERTO DE VAGAS. PREVISÃO. EDITAL. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CARACTERIZAÇÃO.
RECURSO PROVIDO.
1. Em conformidade com a jurisprudência que vem se firmando na 3ª Seção do STJ, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação, e, não mera expectativa de direito.
2. Consoante precedentes da 5ª e 6ª Turmas do STJ, a partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, de acordo com a necessidade do serviço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital.
3. Recurso ordinário conhecido e provido, para conceder a ordem apenas para determinar ao Estado de Minas Gerais que preencha o número de vagas previstas no Edital. (RMS 22.597/MG, Rel. Min. JANE SILVA, Desembargadora convocada do TJMG, Sexta Turma, DJe 25/8/08)
É oportuno registrar que o Supremo Tribunal Federal tem orientação no sentido de que candidato aprovado em concurso público tem mera expectativa de direito à nomeação. No entanto, conforme noticia o Informativo/STF 520, de 15 a 19/9/08, a Primeira Turma, por maioria, nos autos do RE 227.480/RJ, Rel. p/ acórdão Min. CÁRMEM LÚCIA, julgado em 16/9/08, assentou que, "se o Estado anuncia em edital de concurso público a existência de vagas, ele se obriga ao seu provimento, se houver candidato aprovado".

Conclui-se que a tese adotada por este Tribunal vem encontrando guarida na Suprema Corte, ainda que incipientemente. Desse modo, havendo candidatos aprovados dentro do número de vagas anunciadas no edital de concurso público, a Administração obriga-se a nomeá-los dentro do prazo de validade do certame.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário para, reformando o acórdão recorrido, conceder a segurança e determinar a nomeação do impetrante no cargo em que foi aprovado. Custas ex lege. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos da Súmula 105/STJ.

É o voto.